A economia global procura desenvolver estratégias que aumentem a produção de riqueza, no entanto isso leva ao aumento da emissão de gases com efeito de estufa, e com isso o funcionamento biofísico equilibrado da Terra é posto em causa. Numa altura em que a força imposta pela Humanidade e subsequente desenvolvimento económico influencia directamente o funcionamento do planeta Terra, é imperativo revisitar o conceito de desenvolvimento sustentável e os desafios que se colocam à sua abordagem económica e ecológica.
A partir do fim da Segunda Guerra Mundial, o desenvolvimento económico e tecnológico permitiu o aumento da população. Em menos de cem anos, passou-se de um “pequeno mundo num grande planeta” para um “grande mundo num pequeno planeta”. Ou seja, houve um aumento populacional de seis vezes acompanhado por um crescimento do Produto Mundial Bruto (PMB) de quatrocentas vezes. Este crescimento populacional colocou e coloca uma enorme pressão nos recursos do planeta Terra com fortes impactos que deram origem à formulação e justificação de uma nova época geológica: o antropoceno.
O termo “desenvolvimento sustentável” tem as suas raízes nas ideias que surgiram na Europa durante os séculos XVII-XVIII sobre gestão florestal sustentável. Em 1962, após a publicação de Rachel Carson – A Primavera Silenciosa – tomou-se consciência da relação entre crescimento económico e degradação ambiental. Seguiu-se, em 1972 a publicação do Clube de Roma, chamando a atenção para a necessidade de um estado global de equilíbrio capaz de satisfazer as necessidades mínimas da população. Em 1980, a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) publica a estratégia mundial para a conservação da natureza onde faz, pela primeira vez, referência ao conceito “desenvolvimento sustentável" como prioridade global. Em 1987, o Relatório Brundtland, elaborado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, criada pela Assembleia das Nações Unidas, formaliza o conceito e, em 1992, com a Conferência do Rio ou Cimeira da Terra, nasce a Agenda 21, que preconiza a construção de uma sociedade global, justa, sustentável e pacífica no século XXI. De acordo com Brundtland, desenvolvimento sustentável é o que atenda às necessidades do presente, salvaguardando o sistema de suporte à vida da Terra, do qual depende o bem-estar das gerações actuais e futuras.
Há, de facto, a necessidade urgente de uma abordagem integrada que mantenha estável o funcionamento do planeta Terra – incluindo atmosfera, oceanos, florestas, cursos de água, biodiversidade e ciclos biogeoquímicos – enquanto assegura o progresso social. Com a população humana a chegar a nove mil milhões em 2050, as suas actividades e requisitos influenciam directamente o funcionamento biofísico da Terra. Corre-se o risco de causar mudanças generalizadas, abruptas e possivelmente irreversíveis nos processos básicos do planeta. A escassez de água, condições climáticas extremas, deterioração das condições de produção de alimentos, perda de ecossistemas, acidificação dos oceanos e elevação do nível do mar são perigos reais que podem ameaçar o desenvolvimento e desencadear crises humanitárias em todo o mundo. Estes têm sido os factos que levaram a sociedade a tomar consciência de que a mudança não só é necessária, como urgente. O desenvolvimento sustentável é, assim, um conceito que urge ser aplicado e apoiado na ciência, o que justificou a adopção, pelas Nações Unidas, dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Os ODS representam uma clara mudança na teoria do desenvolvimento, ao reconhecer que a pobreza e o subdesenvolvimento estão intimamente ligados aos problemas ambientais. O florescimento humano não pode ser alcançado e sustentado num planeta em crise ecológica. No entanto, existem dois lados dos ODS, que parecem estar em risco de contradição. Um, pede que a humanidade alcance “harmonia com a natureza” e proteja o planeta da degradação. O outro, exige crescimento económico global contínuo equivalente a 3%, como um método para alcançar os objectivos do desenvolvimento humano. É a eterna dualidade entre economia e ecologia. A economia global procura desenvolver estratégias que aumentem a produção de riqueza. Isso leva ao aumento da emissão de gases com efeito de estufa, à crescente desigualdade e a uma devastadora perda de bio - diversidade. É parco o envolvimento dos economistas nas discussões sobre desenvolvimento sustentável e este alheamento espelha a estrutura da disciplina económica. Os problemas que possam advir desta disciplina podem ser, facilmente, transpostos: primeiro, porque o desenvolvimento económico é necessário ao bem-estar da sociedade; segundo, porque as medidas de mitigação ambiental foram uma “invenção” de sucesso; terceiro, porque a tecnologia tem sabido dar resposta. É a chamada ciência tecnológica que confere ao Homem a sensação do “todo-poderoso”, desconectada da natureza, que não olha a meios ou medidas para propor e executar soluções ambientais que só se apercebem erradas, ao fim de alguns anos. Pelo contrário, os ecólogos, ou profissionais em ecologia, centraram-se na investigação, no acumular de evidências sobre a complexidade das interacções presentes entre organismos vivos, Homem incluído. Actualmente, a ecologia e os ecólogos, vêem-se numa posição tão desafiante quanto fortuita, sobretudo pela mudança de comportamentos e visões da sociedade mundial, motivadas por uma maior sensibilização para as questões ambientais. A ecologia é hoje uma ciência transversal, multidisciplinar capaz de responder e conduzir as tendências de pensamento e acção dos mais diversos sectores, desde a política, à saúde, educação e economia.
Hoje, cabe aos ecólogos o desafio de informar e clarificar a sociedade não só acerca das áreas do ambiente, ecossistemas e alterações climáticas, mas também em áreas determinantes como a saúde, a economia, o urbanismo e a produção agrícola. E isto com base em conhecimento científico acumulado e testado. O problema actual é a consciencialização dos limites. O risco dos limites foi proposto e demonstrado por Johan Rockström há mais de dez anos, com base em dados acumulados durante décadas. Nesta alta e descontrolada exploração da Terra, os dados apontam que o risco de ultrapassar um ou mais limiares tem consequências irreversíveis, que pode afectar seriamente o potencial futuro do bem-estar humano. Mas, para interromper a degradação ambiental e restaurar o que foi perdido, são necessárias mudanças económicas de fundo. O processo adaptativo do sistema económico e político tem muita inércia, mas, a recente proposta do Green New Deal da Comissão Europeia, o relatório do Fórum Económico Mundial e as conclusões da reunião de Davos, permitem pensar que novas estratégias se avizinham. O actual desafio da sociedade é implementar mesmo os ODS, o que requer uma abordagem científica inter - disciplinar entre ciências naturais e sociais. Apesar destas duas ciências terem perspectivas, enquadramentos conceptuais e teóricos diferentes, o desafio está em desenvolver abordagens integradas, sabendo ligar investigação à agenda política.
"Cabe à ecologia, enquanto ciência transversal, contribuir para esta “revolução científica” de integração; à economia, enquanto ciência ligada ao poder, apoiar o diálogo e provocar a mudança que tanto urge."
Maria Amélia Martins-Loução, Presidente da Sociedade Portuguesa de Ecologia
Fonte: Revista Cadernos de Economia nº 130 pag.33, realização conjunta da Polimeios e da Ordem dos Economistas Portugueses